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03 agosto 2010

Acervos protegidos...irão realmente investir nisso???

Um incêndio ocorrido na manhã de 15 de maio deste ano destruiu grande parte do maior acervo de serpentes no Brasil. Como muitas das espécies carbonizadas nem sequer haviam sido descritas, a tragédia do Instituto Butantan, em São Paulo, representou um prejuízo à ciência que não pôde ser calculado. O acidente motivou um debate sobre as condições dos museus brasileiros de história natural durante a 62ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, realizada na semana passada em Natal (RN).
O curador da coleção de herpetologia do Butantan, Francisco Luiz Franco, o diretor do Museu Paraense Emilio Goeldi, Nilson Gabas Júnior, e a diretora do Museu Nacional do Rio de Janeiro, Cláudia Rodrigues Carvalho, participaram de uma mesa-redonda coordenada pelo herpetólogo Miguel Trefaut Rodrigues, professor da Universidade de São Paulo (USP), para tratar do assunto. “Laboratórios de física ou de química podem ser reconstruídos após um acidente, mas a perda de coleções naturais é irreparável”, disse Trefaut ao abrir o encontro. Segundo ele, o acidente no maior acervo brasileiro de serpentes e artrópodes deverá suscitar mudanças e fazer o país se dar conta da importância desse material. Ao relembrar o incêndio, Franco contou a história da coleção que continha mais de 85 mil serpentes, que teve início no fim do século 19 por meio de uma campanha do fundador do instituto, o médico Vital Brazil.
Fundado inicialmente para combater a peste bubônica que atingia a população da Baixada Santista, o Instituto Butantan logo absorveu as pesquisas de seu fundador no desenvolvimento de soros antiofídicos. Para tanto, Brazil precisava de serpentes que fornecessem veneno, a matéria-prima para os antídotos. Uma campanha nacional foi lançada pedindo à população o envio de serpentes capturadas. Exemplares de todo o Brasil começaram a ser enviados à instituição paulistana, contando com transporte gratuito dos Correios, das Forças Armadas e de companhias de estradas de ferro. A maior parte da coleção destruída pelo incêndio foi formada desse modo, com exemplares doados pela população durante mais de um século. “As perdas também incluem parte da história do Brasil, informações sobre a alternância das culturas e muitos outros dados que esses animais guardavam”, lamentou Franco. O trabalho de recuperação dos exemplares remanescentes ainda não acabou. Animais e partes recuperadas foram armazenados em cem galões de 50 litros cada um e serão catalogados. Franco espera ter recuperado entre 15% e 20% da coleção de serpentes e entre 40% e 50% do acervo de aranhas. Os pesquisadores do Butantan já retiraram em bom estado 370 das quase mil espécies de cobras armazenadas e esperam que o número chegue a 500. “Esperamos recuperar 50% dos tipos de serpentes e 80% de artrópodes e ainda 60% de materiais emprestados de outras instituições”, disse. Como lição da tragédia, Franco listou uma série de medidas que poderiam ter minimizado os prejuízos, como a valorização dos dados digitalizados das coleções e a distribuição de exemplares. O Butantan construirá um novo prédio para abrigar a coleção remanescente.
Fazer permuta de materiais e aumentar o intercâmbio com outras instituições são meios de manter exemplares em locais diferentes de modo a reduzir os riscos de desaparecimento de espécies. Outro ponto importante é o aumento na valorização dos acervos do gênero em todo o Brasil. “Esse acidente deve fortalecer os acervos semelhantes, que agora tiveram sua importância aumentada, pois deverão cobrir a demanda que o Butantan supria”, destacou Franco.
Proteção aumentada – Essas outras coleções nacionais estão concentradas em poucos lugares, segundo Gabas, diretor do Goeldi. “Cerca de 80% das coleções biológicas do Brasil estão em apenas três instituições: Museu de Zoologia da USP, Museu Nacional do Rio de Janeiro e Museu Paraense Emílio Goeldi”, disse.
Guardião de um herbário com mais de 190 mil exsicatas (exemplares vegetais), além de numerosos registros de invertebrados, artrópodes, macacos e moluscos, o museu paraense sofre com problemas semelhantes aos da instituição paulista. “Dois dias antes do acidente no Butantan, fizemos uma reunião visando a evitar o estoque de álcool no museu”, disse Gabas. Por causa de uma licitação anual para a compra do produto, a quantidade do líquido necessário para um ano inteiro era entregue de uma só vez. O grande volume fazia com que pesquisadores armazenassem álcool em suas salas e até em alguns corredores do museu. A solução foi determinar o parcelamento da entrega.
No ano passado o Goeldi sofreu um princípio de incêndio, que foi controlado pelos funcionários antes que atingisse maiores proporções. Como resultado, a instituição iniciou um programa sofisticado de proteção contra incêndio, no valor de R$ 1,5 milhão, que envolve detectores de calor e fumaça e disparadores de dióxido de carbono nos ambientes.
Além disso, o museu investiu na reforma do sistema elétrico e pretende substituir os condicionadores de ar, adquirir armários à prova de fogo e compactar as coleções pela utilização de armários deslizantes.
Falta de curadores – Cláudia Carvalho, que administra os 15 milhões de peças que compõem o acervo do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, falou no debate sobre os principais problemas enfrentados pela instituição criada em 1818 por D. João VI, como falta de espaço, infraestrutura inadequada e orçamento insuficiente. Para complicar, toda reforma precisa de um parecer do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), uma vez que o Museu Nacional ocupa um edifício tombado que foi residência da Família Real portuguesa. O museu já sofreu infestação de cupins e o acervo está concentrado no prédio histórico. A distribuição das peças em novos prédios está ameaçada até pela Copa do Mundo de 2014. “O estádio do Maracanã é vizinho na área do museu e boa parte de sua área externa poderá vir a ser usada nas obras de ampliação previstas”, disse Cláudia.
A diretora também reclama da falta de curadores especializados. “As atividades curatoriais não fazem parte da carreira acadêmica e não são atraentes para o docente”, frisou. Até a terceirização de mão de obra é crítica para um museu, segundo a diretora, uma vez que a manutenção das peças exige cuidados especiais e treinamento de pessoal. Como a rotatividade de terceirizados é maior, especialistas do museu têm que dedicar parte do seu tempo para treinar constantemente esse pessoal. A situação dos museus levou os participantes a sugerir uma moção, solicitando a valorização, a preservação e o crescimento dos acervos científicos nacionais.
“O desenvolvimento de um estudante que cresce ao lado de uma coleção científica é muito mais rico, por isso devemos diversificar e partilhar essas coleções”, disse Trefault.
(Fonte: Fabio Reynol/ Agência Fapesp)

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