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27 setembro 2006

Por que, apesar de a produção científica de nossos pesquisadores ser cada vez maior, ela ainda gera pouco avanço tecnológico na indústria

Santos Dumont é autor da única façanha brasileira a constar da lista dos grandes feitos da humanidade publicada pela revista Technology Review, do MIT, nos Estados Unidos, um dos mais importantes centros de pesquisa no mundo. Dumont contornou a Torre Eiffel a bordo do 14-bis e declarou que seu país ainda seria "o maior centro de novas idéias do mundo". Mais que uma demonstração de patriotismo, as palavras do aviador previram um dos itens mais essenciais do mundo globalizado: inovação. Cem anos após o primeiro vôo de Dumont, o Brasil tem uma boa massa crítica de pesquisadores. Mas ainda falta à indústria nacional a força inovadora de países emergentes, como Coréia do Sul, China e Índia. O que está faltando para o Brasil se tornar mais inovador?

Conhecimento científico não parece ser o problema. Produzimos 1,8% de toda a ciência mundial. É pouco. Mas é o equivalente à participação de nosso PIB na economia global. E a produção científica brasileira vem crescendo regularmente. Em duas décadas, a quantidade de artigos publicados nas melhores revistas científicas internacionais multiplicou-se por sete. No ano passado, os pesquisadores brasileiros publicaram 15.777 artigos nas mais importantes revistas científicas do mundo, segundo dados do Instituto para a Informação Científica (ISI), o maior e mais importante banco de dados bibliográficos. "Temos doutores preparados, pesquisa de ponta em áreas como física e medicina, mas ainda não sabemos como aplicar esse conhecimento", diz Jorge Guimarães, presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), órgão ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia. De acordo com uma análise intitulada The Scientific Impact of Nations, publicada na revista científica britânica Nature, o Brasil já ocupa lugar de destaque na elite científica do mundo globalizado. É a 17a nação em artigos publicados e está entre os 31 países que produzem 98% da ciência do globo. "O Brasil teve um avanço significativo em áreas sofisticadas do conhecimento, antes exclusividade de país desenvolvido", diz o editor-chefe da revista científica americana Science, Donald Kennedy.

O avanço da ciência só foi possível porque cresceu o número de doutores no país. Eram menos de mil formandos em 1978. Em 2007, serão diplomados mais de 10 mil. Ao longo da política de expansão do ensino superior, a produtividade passou a ser um critério mais valorizado e a contar pontos extras na carreira. Isso significa que, pelas regras de hoje, os professores e alunos mais produtivos saem na frente na disputa por bolsas ou financiamentos. Essa cobrança foi decisiva para que os doutores procurassem transformar suas pesquisas em artigos científicos submetidos a revistas internacionais. Tradicionalmente, eles apenas enviavam o texto para a biblioteca da universidade, onde era lido por meia dúzia de colegas. "A política de pós-graduação sobreviveu ao regime militar, superou a transição democrática e segue avançando", diz Eduardo Viotti, pesquisador do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (UnB).

Nos últimos anos, o Brasil tem seguido à risca a máxima dos cientistas americanos: "Publish or perish" (publique ou pereça). Tome-se o caso da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a mais produtiva do país em número de artigos por doutor. A cada três anos, ela submete seus pesquisadores a uma avaliação interna. O hematologista Fernando Costa, vice-reitor da Unicamp, é um dos cientistas mais produtivos do país. Já publicou mais de 200 trabalhos nas principais revistas científicas do mundo. Seus artigos já foram citados pelo menos 1.900 vezes. Um de seus estudos mais conhecidos é o seqüenciamento genético da bactéria causadora da praga do amarelinho da laranja, feito em parceria com mais de 80 cientistas. O trabalho - capa da Nature, a mais prestigiada publicação científica do mundo, ao lado da Science - já foi citado 300 vezes.
O problema é que a produção científica brasileira ainda fica presa na universidade. Estima-se que 80% das teses não saiam da biblioteca. É verdade que falta qualidade a algumas. Mas a maior parte está esquecida porque o autor não faz idéia de como publicá-la. "Ciência oculta é conhecimento jogado fora", diz o psicólogo Fábio Appolinário, autor de um guia para estudantes que pretendem transformar seus longos estudos em artigos de sucesso.

O papel das revistas científicas especializadas é difundir a ciência pelo mundo. Na década de 40, um estudante de Medicina da Bahia, chamado Jessé Accioly, fez um estudo que mostra como ocorre a transmissão genética da anemia falciforme. Publicou suas conclusões numa revista científica, a Arquivos da Faculdade de Medicina da Bahia. Na mesma época, o cientista americano James Neel publicou um artigo sobre uma pesquisa parecida na Nature, em menos de um quarto de página. O artigo de Accioly caiu no olvido. A pequena nota da Nature ecoou pelos corredores dos maiores centros de pesquisa do mundo e Neel foi cotado para o Nobel de Medicina.

Além da fraca repercussão internacional, a pesquisa brasileira também tem pouco contato com as necessidades da indústria. Estima-se que 84% dos doutores estejam nas universidades. Em todos os países desenvolvidos, a proporção é inversa. Cerca de 70% dos doutores estão na indústria.

Um bom indicador do estágio de inovação do país é o número de patentes. No ano passado, o Brasil registrou 283 patentes nos Estados Unidos. Os coreanos, 4.700. Em 2004, a Unicamp liderou a lista dos criadores de patentes. No ano passado, a líder foi a Petrobras. Nos EUA, a indústria sempre dominou essa lista. A universidade mais bem colocada, a da Califórnia, está na 44a posição.

Luciana Vicária
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG75377-6014-436,00.html

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