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16 março 2008

Os restaurantes devem assumir a responsabilidade ambiental de não servir água em garrafa

Meu amigo, presidente de uma multinacional, gaba-se de que, há mais de 20 anos, nem ele nem sua família bebem água de torneira. O argumento central de meu amigo é sua falta de confiança na qualidade da água do serviço de abastecimento. Além disso, ele acha que os filtros são um trambolho. Formado em Engenharia de Produção, meu amigo estima que, nesse período, ele e sua família devam ter consumido algo em torno de 75.000 litros de água, a maior parte engarrafada na embalagem PET.
Para meu amigo, essa forma de pensar era aparentemente natural, correta e inquestionável até recentemente, quando ele participou do Fórum Econômico de Davos, encontro anual da elite econômica e política do mundo, na Suíça. Ali ele conheceu Alice Waters, proprietária do Chez Panisse, um badalado restaurante orgânico de Berkeley, na Califórnia. Aí, a água de beber passou a ter um outro significado em sua vida.
Alice foi convidada pelos organizadores do Fórum de Davos para um debate sobre a cadeia de produção de alimentos. As pressões sobre esse setor são uma conjugação do crescente custo de energia com a necessidade de as empresas diminuírem seu impacto sobre o meio ambiente. Como um dos participantes disse no evento, “os preços para produzir coisas que são ruins para o planeta serão cada vez mais elevados devido às políticas para a redução de emissões de gases do efeito estufa”.
Alice não é dona de um mero restaurante natureba. O Chez Panisse tem sido listado, ano após ano, entre os 50 primeiros no prestigiado anuário “Os 50 Melhores Restaurantes do Mundo”, da revista britânica Restaurant. Alice tem nove livros de receitas que se tornaram best-sellers nos Estados Unidos. Para ela, a água da torneira é boa e, no ano retrasado, ela decidiu simplesmente parar de vender água engarrafada em seu restaurante.
Além de administrar seu restaurante, Alice é hoje uma líder empresarial, sobretudo de produtores orgânicos. Ela é também colaboradora das universidades Yale e Berkeley no desenvolvimento de projetos para a rede de escolas públicas da Califórnia. O objetivo é integrar nutrição e sustentabilidade ambiental. Ela estrutura tanto cardápios da merenda quanto conteúdos do currículo escolar. Alice, portanto, na questão da alimentação, influencia não só a produção como também os estilos de vida de pessoas importantes e formadoras de opinião. Por isso ela foi falar em Davos. E foi conversando com Alice que meu amigo compreendeu que toda a energia para extrair, gaseificar, engarrafar e transportar a água é simplesmente um desperdício injustificável. Mesmo os esforços de reciclagem da embalagem PET, apesar de bem-intencionados, são insuficientes para compensar o descarte das garrafas de água.
Alice costumava vender 25 mil garrafas de água mineral por ano em seu restaurante. Agora, seus clientes podem solicitar a água encanada, que é filtrada e servida em jarras. Se o freguês quiser água com gás, o restaurante gaseifica o líquido da torneira na hora. Tudo isso oferecido de graça. Segundo Alice, no Chez Panisse não há registro de queixas de seus clientes devido à mudança da política da água: “As pessoas perceberam que faz todo o sentido e que ainda economizam”.
Meu amigo tem um espírito de homem de negócio muito entranhado para se tornar um ecofundamentalista. Mas mandou instalar um filtro em casa. E passou a mesma orientação para as empresas que administra. Basta de água em garrafas. Ele diz que uma das perguntas que trouxe de Davos é uma espécie de aposta: qual será a primeira grande rede de restaurantes que vai ter a coragem de inovar e oferecer água da torneira grátis para clientes exigentes como ele? Isso é que será responsabilidade socioambiental no setor.
No site de Época por RICARDO NEVES
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