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31 agosto 2006

Clima da Terra poderá se tornar cada vez mais quente e seco

Gabriel Penno Saraiva (*)

Para que se compreendam as origens e possíveis efeitos do aquecimento global, deve-se entender o fenômeno dos períodos glaciais e inter-glaciais. Tais fenômenos tiveram origem após o término do Eoceno, época geológica que ocorreu entre 56 e 34 milhões de anos atrás.

Durante o Eoceno, o planeta se aqueceu em um dos mais rápidos e extremos eventos de aquecimento global da história geológica da Terra, chamado de Paleoceno-Eoceno Termal Máximo (PETM). Este foi um episódio de rápido e intenso aquecimento que durou cerca de 100.000 anos, fazendo com que a temperatura média do planeta alcançasse 22º C, ou cerca de 7° C superior à média atual.

O clima global durante o Eoceno era bastante homogêneo. A diferença de temperatura entre o equador e os pólos era somente a metade da diferença atual, e as correntes oceânicas profundas eram excepcionalmente quentes. As regiões polares possuíam um clima temperado quente. Florestas temperadas quentes se estendiam até os pólos, enquanto que climas tropicais úmidos eram encontrados até 45 graus de latitude norte e sul.

Porém, as temperaturas médias das regiões equatoriais eram provavelmente similares às atuais, porque o grande aumento da cobertura florestal resultante do aquecimento global do Eoceno fez com que estas florestas regulassem as temperaturas ao nível do solo. O planeta foi totalmente coberto por florestas neste período. Este aquecimento foi provavelmente causado por intensa atividade vulcânica, que criou um poderoso efeito estufa. As florestas controlaram este aquecimento, absorvendo boa parte dos gases emitidos para a atmosfera pelo vulcanismo, ao mesmo tempo em que fizeram o clima ficar mais úmido à medida que ficava mais quente.

Quando este período de intenso vulcanismo terminou, as florestas que recobriam o globo continuaram a crescer e absorver os gases do efeito estufa, lentamente reduzindo sua concentração. Com o tempo, esta diminuição da concentração dos gases de efeito estufa fez a temperatura lentamente cair. Este processo levou cerca de 40.000 anos, rebaixando as temperaturas médias globais até cerca de 10º C, congelando os pólos e dando origem à uma glaciação. As temperaturas mais baixas, associadas à uma redução da umidade na atmosfera, aprisionada na forma de gelo, fizeram com que a maioria das florestas lentamente morressem.

A morte destas florestas gradativamente liberou grandes quantidades de gases do efeito estufa na atmosfera, fazendo com que a temperatura global lentamente voltasse a aumentar. Quando a temperatura média global atingiu os 15º C, similar à atual, grande parte do gelo acumulado nas latitudes mais altas derreteu, e as florestas voltaram a se expandir. Durante outros 40.000 anos o planeta manteve temperaturas similares às atuais, mas as florestas mais uma vez diminuíram a concentração de gases do efeito estufa na atmosfera, o que fez com que uma vez mais a temperatura global caísse para cerca de 10º C, levando à mais um período glacial.

Estes movimentos de distensão e contração das capas de gelo, também conhecidos como períodos glaciais e inter-glaciais, vêm ocorrendo há cerca de 34 milhões de anos. No início, os períodos glaciais eram de cerca de 40.000 anos cada, assim como os períodos inter-glaciais. Com o tempo, os períodos glaciais aumentaram para 100.000 anos cada, e os períodos inter-glaciais diminuíram para cerca de 15.000 anos cada.

O último período inter-glacial, chamado de Emiano, teve início há cerca de 130.000 anos. O clima durante o Emiano era tão estável quanto o presente período inter-glacial, porém um pouco mais quente. As temperaturas máximas observadas durante o Emiano ocorreram há cerca de 125.000 anos atrás, fazendo as florestas ocuparem todas as regiões do planeta, até 70 graus de latitude norte e sul. Esta expansão da área florestal da Terra novamente levou à uma diminuição da concentração dos gases de efeito estufa na atmosfera, e há cerca de 115.000 anos o último período glacial se iniciou. Tal período durou até 17.000 anos atrás, quando o presente período inter-glacial, chamado de Holoceno, se iniciou.

Tirando proveito deste período mais quente, os humanos, que haviam evoluído imensamente durante a última glaciação, começaram a cultivar as plantas e criar os animais que consumiam em sua alimentação. A agricultura e a pecuária eram processos já bem conhecidos pela maior parte das populações humanas há cerca de 8.000 anos.

Durante o último período glacial, a região do Saara possuía um clima temperado semi-árido. Climas semi-áridos possuem uma estação seca que varia entre 7 e 11 meses por ano. Quando o Holoceno se iniciou, o clima do planeta gradativamente ficou mais quente e úmido, fazendo com que o clima da região do Saara se transformasse em tropical estacional há cerca de 12.000 anos. Climas estacionais ainda possuem estações secas, que variam entre 3 e 6 meses por ano.

Algo similar também aconteceu à região da Amazônia. Esta possuía um clima subtropical semi-árido durante a última glaciação, com árvores de maior porte somente sendo encontradas ao longo dos rios. Com o início do Holoceno, esta região também se tornou mais quente e úmida, transformando-se em uma região tropical estacional há cerca de 13.000 anos. Esta região era então coberta por diversos tipos de cerrado, com uma região de floresta estacional em seu interior, onde hoje se localiza a chamada "Hiléia". A Hiléia se transformou em uma floresta tropical úmida há cerca de 9.000 anos, e a região coberta por cerrado se transformou em florestas tropicais estacionais. Atualmente a Hiléia representa cerca de 60% da área total da Amazônia, sendo as extremidades da chamada floresta Amazônica formadas por florestas estacionais que estão lentamente se expandindo em direção ao Brasil central, que ainda é coberto por cerrado. Porém, tal expansão está sendo interrompida pela ação humana.

A civilização chegou ao Brasil central e à Amazônia há cerca de 50 anos, e já está destruindo estas áreas com uma velocidade impressionante, porque esta chegada se deu por parte de um grande número de indivíduos. Neste caso, "civilização" significa agricultura e pecuária de grande escala, para alimentar as populações residentes nas cidades.

A agricultura e a pecuária foram criadas há cerca de 12.000 anos, por populações residentes da região do Saara. Nesta época, o Saara era coberto por uma vegetação similar ao cerrado, e possuía um clima com estação seca de aproximadamente 6 meses ao ano. De maneira à cultivar o solo, tais populações humanas queimavam a vegetação ao final da estação seca, para que as áreas destinadas à agricultura estivessem "limpas" quando a estação chuvosa se iniciasse. Em áreas destinadas à pecuária, o gado consumia os vegetais tenros resultantes da regeneração da floresta depois da queimada. Porém, estas queimadas geralmente se tornavam fora de controle, queimando anualmente áreas enormes de cerrado.

Quando uma região se tornava estéril, as populações humanas se dirigiam à outra área virgem. Há cerca de 8.000 anos, a população humana se utilizando destes métodos de manejo do solo era tão grande que áreas hoje pertencentes à Líbia e ao Egito já se encontravam estéreis. Parte destas populações iniciou um movimento de migração para o oeste, levando o deserto consigo, já que não estavam conscientes da destruição que estavam infligindo à natureza. Nesta época a região do Saara começou a se tornar mais seca, e este processo se acelerou após os romanos conquistarem o norte da África, há cerca de 2.000 anos.

Desta forma, nota-se que se não fosse por esta interferência desastrosa por parte da civilização, o Saara seria atualmente uma região similar à Amazônia. O mesmo processo ocorreu e vem ocorrendo na maior parte do mundo. Atualmente, somente 29% da área continental se encontra coberta por florestas, enquanto que a área coberta por desertos já representa 18% da área continental.

O resultado da diminuição da área florestada e aumento da área desertificada por conta das ações humanas não é somente a diminuição da biodiversidade e da pluviosidade, mas também um aumento gradativo da concentração de gases do efeito estufa na atmosfera. Esta maior concentração de gases do efeito estufa na atmosfera por conta da ação humana aumentou ainda mais após o início da revolução industrial, há cerca de 200 anos. Mesmo se não mais houvessem emissões de gases do efeito estufa, a temperatura média do planeta ainda aumentaria pelos próximos 100 anos, atingindo em média 18º C. Porém, as emissões devem continuar a aumentar, fazendo com que a temperatura média da Terra atinja os 21º C em 100 anos.

Desta forma, as atividades humanas atuais devem fazer com que a temperatura global atinja níveis não observados em 34 milhões de anos. Porém, como as atividades atuais também envolvem a diminuição da cobertura florestal, deve também haver uma diminuição da pluviosidade nas áreas continentais, pois as florestas prestam serviços ambientais importantes para a regulação do balanço hídrico sobre as áreas continentais. Sendo assim, não havendo uma recuperação da cobertura florestal e das áreas desertificadas, a tendência é de que o clima do planeta se torne cada vez mais quente e seco.

*É bacharel em Administração de Empresas com Habilitação em Comércio Exterior, atualmente cursando Especialização em Gestão Florestal na UFPR

http://www.ambientebrasil.com.br/noticias/index.php3?action=ler&id=26520

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